terça-feira, 25 de agosto de 2009

USF - Dois Unidos (Bianor Teodósio)

Filme Estamira
Resenha Crítica
A mente humana é capaz de realizar diversos feitos a fim de fugir de uma realidade cruel muitas vezes imposta ao indivíduo. Tal habilidade, os motivos que levam o homem a utilizá-la e o nível de alienação apresentado são abordados no documentário Estamira. O filme também aborda temas como a vida nos aterros sanitários e a miséria no Brasil.
O documentário revela a história de vida de uma mulher chamada Estamira, 63 anos de idade, que trabalha há mais de vinte anos num aterro sanitário, onde mais de oito mil toneladas de lixo, produzido no Rio de Janeiro, são descarregadas por dia. Estamira é viúva, sofre de distúrbios mentais e já foi internada em um hospital psiquiátrico pelos seus três filhos, fato que até hoje não perdoa. A protagonista do documentário também sofreu abuso sexual pelo pai, foi estuprada três vezes e já se prostituiu. Ela cresceu num ambiente familiar conturbado, fase em que presenciou diversas brigas entre seus pais, alem de ter sido traída pelo seu marido durante seu casamento infeliz.
O filme também aborda outra questão social: pessoas que vivem do lixão e estão susceptíveis a várias doenças, devido à exposição e contato com o lixo sem a necessária proteção, estando sujeitos a infecções bacterianas em geral e a problemas respiratórios devido à queima do lixo. Essa situação é rotina não só da personagem, mas de muitos brasileiros que não são suficientemente informados sobre os riscos da exposição ao lixo ou que não tem outra opção de sustento, senão a exploração do material.
Devido a tantas dificuldades encontradas por Estamira durante sua vida, ela é inconformada e revoltada não só com o sistema (de acordo com o relacionamento e a organização social), mas também com o próprio Deus, que em sua opinião, não existe, uma vez que ela já sofreu tanto e Ele não fez nada para ajudá-la. Ela também se recusa a ser ajudada no tratamento por uma sociedade hipócrita, muitas vezes se voltando até contra os filhos, fator responsável por ela abandonar o tratamento psiquiátrico oferecido pelo SUS logo que começou.
Apesar de suas perturbações, incluindo a criação de vozes, lugares e até situações, Estamira vive momentos de certa lucidez, nos quais defende, por exemplo, a importância do trabalho na formação do caráter e condena o trabalho em forma de sacrifício Ao qual são submetidos não só ela como também a população mais pobre em geral. Ela também apóia a igualdade social e a implementação do sistema comunista de governo. Apesar de fugir de uma realidade inconcebível, Estamira tem consciência de que sofre de distúrbios mentais e do que acontece no mundo ao seu redor, fator importante na formação de sua opinião.
A história que, na ausência de uma abordagem aprofundada, parecia mais um caso de necessidade de cuidados psiquiátricos se torna, nas mãos do diretor, uma envolvente trama que trata, ao mesmo tempo, de problemas sociais importantes, como a miséria, a saúde pública e o perigo a que as pessoas que trabalham no lixo estão sujeitas, além de trabalhar as razões que levam um ser humano a desenvolver problemas mentais, através da reconstrução do seu passado. Além disso, o diretor enfatiza o nível de lucidez e o potencial de diálogo apresentado por Estamira, desmistificando o fato de portadores de problemas mentais não serem capazes de ter coerência no raciocínio e uma visão crítica social bem elaborada.

Um comentário:

  1. Muito interessante quando o texto tece a história de vida de Estamira com um olhar para o contexto que a cerca. As questões que levaram à doença mental de Estamira ao mesmo tempo que ela transparece um olhar crítico para o mundo. Parabéns ao grupo. objetivo alcançado! Mariana Olívia.

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